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Dia de Sto Tomás de Aquino: "Que queres como recompensa, Tomás?"


Quando Tomás se encontrava na tranquilidade da igreja de São Domingos, em Nápoles, ouviu-se uma voz que saía de uma imagem de Jesus Cristo crucificado; esta voz disse ao frade ajoelhado que ele tinha escrito bem, e propôs-lhe a escolha de uma recompensa dentre todas as coisas do mundo.

Creio que nem todos têm apreciado o significado desta história particular aplicada a este santo particular. É fato muito conhecido e frequente, se o consideramos simplesmente um oferecimento feito a um devoto da solidão ou da simplicidade, para escolher entre todas as coisas boas da vida. O eremita, verdadeiro ou fingido, o faquir, o fanático ou o cínico, o estilista em cima da sua coluna ou Diógenes na sua cuba podem representar-se tentados pelos poderes da terra, do ar ou dos céus, com a oferta do que há de melhor dentre todas as coisas, e a responder que de nada precisam. No cínico ou estóico grego realmente significava uma simples negação positiva, ou seja, que queriam o nada, que o nada era de fato o que queriam. Por vezes, expressava uma nobre independência e as virtudes gêmeas da Antiguidade: o amor da liberdade e o ódio do luxo. Outras vezes expressava só uma auto-suficiência, que é o verdadeiro oposto da santidade.

Mas as histórias e os santos desta espécie não abarcam o caso de Santo Tomás. Ele não era pessoa que não precisasse de nada, pois se interessava enormemente por tudo. A sua resposta não é tão inevitável ou simples como alguns possam supor. Comparado com muitos outros filósofos, tinha grande avidez na aceitação das coisas, fome e sede das coisas. Tinha como norma filosófica que há realmente coisas e não somente uma coisa, que a pluralidade existe tão realmente quanto a unidade. Não quero dizer coisas de comer, de beber ou de vestir, conquanto ele nunca negasse a estas o seu lugar na nobre hierarquia do ser, mas sim coisas para pensar, e especialmente coisas para provar, experimentar e conhecer.

Ninguém supõe que Tomás de Aquino, quando Deus lhe deu a escolher dentre todos os seus dons, fosse pedir um milhar de libras, a coroa da Sicília ou um vinho raro da Grécia. Mas podia pedir coisas que efetivamente desejava, pois que era homem que podia ter aspirações como, por exemplo, a do manuscrito perdido de São João Crisóstomo. Podia pedir a solução de qualquer dificuldade antiga, ou o segredo de uma ciência nova, ou uma chispa do inconcebível espírito intuitivo dos anjos, ou uma das mil coisas que teria satisfeito realmente o seu vasto apetite viril, tão vasto como a própria vastidão e variedade do universo.

A questão é que, para ele, quando a voz falou entre os braços abertos de Jesus Crucificado, estas braços estavam em verdade amplamente abertos e abrindo gloriosissimamente as portas de todos os mundos. Eram braços que apontavam para o oriente e o ocidente, para os extremos da terra, e para os próprios extremos da existência. Estavam em verdade abertos num gesto de onipotente generosidade: o próprio Criador a oferecer a própria criação, com todo o infinito mistério dos seres diversos e do coro triunfal das criaturas. É este o fundo esplendoroso da multiplicidade do ser, que dá força particular, e até uma espécie de surpresa, à resposta de Santo Tomás, quando levantou a cabeça finalmente e disse, com esta audácia quase blasfema que forma uma só coisa com a humildade da sua religião:

- Quero-Te a Ti.

G.K. Chesterton. Santo Tomás de Aquino. São Paulo: LTr, 2003. p. 117-118.

"O que é uma heresia" ou "Para ser católico é preciso aderir a TODAS as verdades da Fé

São Paulo ordena guardar as tradições


A Bíblia indica que em adição à palavra escrita, nós temos de aceitar a tradição oral

São Paulo louva e ordena manter a tradição oral. Em 1 Cor 11,2, por exemplo, nós lemos: 'Agora vos louvo, irmãos, que em todas as coisas vos lembrais de mim: e mantendes minhas ordens como eu as tenho entregue a vós." São Paulo está obviamente louvando a guarda da tradição oral aqui, e deveria ser notado em particular que ele exalta os crentes por haver feito isto ("eu vos louvo..."). Explícito nesta passagem é também o fato de que a integridade desta tradição oral apostólica tem claramente sido mantida, exatamente como Nosso Senhor prometeu que seria, através da salvaguarda do Espírito Santo. (cf. Jo 16,3).

"Portanto, irmãos, ficai firmes; e guardai as tradições que vocês têm aprendido, quer oralmente, ou por nossa carta." 
São Paulo aos Tessalonicenses

Talvez o mais claro apoio bíblico para a tradição oral seja encontrado em 2 Tes 2:15, onde os cristãos são realmente ordenados: "Portanto, irmãos, ficai firmes; e guardai as tradições que tendes aprendido, quer oralmente, ou por nossa carta." Esta passagem é significante nisso: 1) ela mostra a existência de tradições vivas dentro do ensino apostólico; b) ela nos diz inequivocamente que os crentes estão firmemente fundamentados na Fé por aderir a estas tradições, e c) ela claramente estabelece que estas tradições foram dadas por escrito e oralmente. Desde que a Bíblia distintivamente estabelece aqui que as tradições orais - autênticas e apostólicas na origem - são para ser "guardadas" como um válido componente do Depósito da Fé, por qual razão ou desculpa os protestantes recusam-nas? Por qual autoridade eles rejeitam uma claríssima ordem de São Paulo?

Além disso, nós devemos considerar o texto nesta passagem. A palavra grega krateite, aqui traduzida "guardar", significa "ser forte, poderoso, prevalecer". Esta linguagem é bastante enfática, e demonstra a importância de manter estas tradições. É claro que é necessário diferenciar entre Tradição (com "T" maiúsculo) que é parte da Revelação divina, em uma mão, e, em outra, tradições da Igreja (com "t" minúsculo) que, embora boas, foram desenvolvidas na Igreja mais tarde e não são parte do Depósito da Fé. Um exemplo de algo que é parte da Tradição seria o Batismo de crianças; um exemplo de uma tradição da Igreja seria o calendário de festas de santos. Qualquer coisa que seja parte da Tradição é de origem divina e, logo, imutável, enquanto que as tradições da Igreja são mutáveis pela Igreja. A Sagrada Tradição serve como regra de fé por mostrar o que a Igreja tem crido consistentemente através dos séculos e como é sempre entendida qualquer dada parte da Bíblia. Um dos principais meios pelos quais a Tradição tem sido transmitida para nós está na doutrina contida nos velhos textos da liturgia, a adoração pública da Igreja.

Deveria ser notado que os protestantes acusam os católicos de promover doutrinas "antibíblicas" ou "novas" baseadas na Tradição, afirmando que tal Tradição contém doutrinas que são estranhas à Bíblia. Todavia, esta asserção é totalmente falsa. A Igreja Católica ensina que a Sagrada tradição não contém absolutamente nada que seja contrário à Bíblia. Alguns pensadores católicos até diriam que não há nada na Sagrada Tradição que não esteja também fundado na Escritura, ao menos implicitamente ou de uma forma seminal. Certamente, os dois estão ao menos em perfeita harmonia e sempre suportam um ao outro. Para algumas doutrinas, a Igreja pega mais da Tradição que da Escritura para a sua compreensão, mas mesmo essas doutrinas estão muitas vezes implícitas ou insinuadas na Sagrada Escritura. Por exemplo, as seguintes crenças são largamente baseadas na Sagrada Tradição: batismo de crianças, o cânon da Escritura, a virgindade perpétua da bem-aventurada Virgem Maria, Domingo (ao invés do Sábado) como o Dia do Senhor, e a Assunção de Nossa Senhora.

A Sagrada Tradição complementa nosso entendimento da Bíblia e não é, portanto, uma fonte extra de Revelação que contém doutrinas que sejam estranhas a ela*. Muito pelo contrário: a Sagrada Tradição serve como a memória viva da Igreja, lembrando-a do que os fiéis têm constante e consistentemente crido e para corretamente entender e interpretar o significado das passagens bíblicas. De certo modo, é a Sagrada Tradição que diz ao leitor da Bíblia: "Você tem lido um livro muito importante que contém a revelação de Deus ao homem. Agora, deixe-me explicar a você como isto tem sido entendido e praticado pelos crentes desde o início."

Tradução minha. Fonte: Operation Survival

*Nota minha: embora a Tradição não contenha nenhuma doutrina que seja contrária à Bíblia, ela pode, sim, ser entendida como uma das fontes de Revelação.

Sola Scriptura não tem sentido


Há pelo menos mais dois artigos aqui no blog com esse tema:


Recomendo aos amigos que dêem uma lida. Mas quero escrever este artigo seguindo uma linha mais breve e demonstrando logicamente, silogisticamente, que não há sentido nesta prática instaurada por Lutero que, além de herege, era maluco e suicida.

Primeiramente, esclareçamos em que consiste a Sola Scriptura. A expressão vem do latim e significa "Só a Escritura". A escritura de que aí se fala é, obviamente, a Bíblia. Portanto, a doutrina da Sola Scriptura afirma que só a Bíblia deve ser a regra de Fé e prática do cristão. Segundo os que seguem essa idéia, tudo quanto não esteja na Bíblia carece de fundamento. A extrema maioria dos protestantes concordará com isso aí. Para alguns católicos, inclusive, isto parecerá correto. Contudo, mostremos porque é algo sem sentido.

A Bíblia é um conjunto de livros. Cada um desses livros foi inspirado por Deus. Nesta inspiração, Deus escolheu pessoas humanas como instrumentos. No entanto, muitas outras pessoas, desde o início, afirmavam ser inspiradas por Deus sem que o fossem de fato: são os falsos profetas, que sempre houveram e que foram inúmeras vezes preditos. Não é possível, pelo próprio engenho humano, saber de certeza quais o que dizem a verdade e quais os que não dizem. Porém, Deus não poderia nos deixar nessa confusão. Logo, é preciso que sejam estabelecidas autoridades escolhidas por Deus; estas autoridades cuidarão de distinguir a verdade do erro. Elas poderão ser as próprias pessoas inspiradas, ou, ainda, outras pessoas que saibam distinguir o que é divino e o que não é. Elas também devem ser reconhecidas coletivamente. Assim o foram os profetas, os apóstolos, etc. Estas pessoas recebem tal autoridade em função de sua proximidade com Deus. No caso dos apóstolos, isso está mais do que claro, uma vez que eles conviviam com Jesus, que é Deus.

A inspiração produz a intuição e compreensão de verdades divinas. Estas verdades, se bem que estejam acima das realidades humanas, deverão ser escritas em linguagem compreensível e, portanto, humana. A linguagem humana se utiliza de símbolos. Ora, um símbolo pode, por sua própria natureza, simbolizar mais de uma coisa. Esta multiplicidade de possibilidades do símbolo pode fazer referência ao significado exato que se quis dar ao símbolo, mas pode ser entendido de modo diferente e errado. Por exemplo, havia toda uma escola bíblica que via nos gafanhotos do apocalipse retratos fiéis dos helicópteros soviéticos. 

Portanto, o fato de tais coisas serem escritas só tem lógica se, paralela aos escritos, existe uma autoridade que resguarda o modo correto de entendê-las. São Paulo dizia isto: "se há quem professe, haja quem explique."

A inspiração que surge de uma intuição de realidades sobrenaturais, ao expressar-se em linguagem humana, não consegue esgotar todo o seu conteúdo. Assim, o modo como se diz é sempre inferior à própria natureza do dito, ou, se preferirem, o significante é mais pobre que o significado. Logo, existe sempre mais realidade do que a que foi registrada, o que é o mesmo que dizer que nem tudo está na Escritura. A própria Escritura o demonstra de diversos modos. Só para citar um: João diz que, se tudo quando Jesus disse e fez fosse registrado, nem todos os livros do mundo seriam suficientes para tal.

Além disso, se há verdadeiras profecias e há também falsas, antes de haver um compêndio das verdadeiras, é preciso uma autoridade que tenha a capacidade de distinguir as verdadeiras das falsas e que, então, faça a referida escolha. Ora, essa autoridade não precisa estar explicitamente descrita na escritura. A escritura, pela sua própria natureza, exige e pressupõe esta autoridade.

Portanto, não se faria um compêndio de livros sagrados sem uma autoridade anterior que lhes identificasse e lhes reunisse. Esta autoridade histórica na formação do cânon bíblico é a Igreja Católica Apostólica Romana. Portanto, acreditar que o conjunto dos livros bíblicos é, de fato, sagrado, pressupõe a Fé na autoridade da Igreja Católica.

A própria natureza discursiva da bíblia lhe dá a possibilidade de ser entendida de diversas formas, como já dito. Se é verdade que Deus nos quis comunicar verdades específicas ao invés de nos dar um brinquedo à nossa imaginação e criatividade, então é também lógico que Ele nos daria algo ou alguém que nos garantisse o modo correto de entender o que está escrito. Uma vez que Jesus quer que as verdades sobre Ele cheguem ao conhecimento de todos os homens, de todos os lugares e de todos os tempos, esta autoridade deve, também, estar espalhada em todos os pontos do planeta e deve estar presente em todas as épocas da história. Quem cumpre este papel, mais uma vez, é a Igreja Católica. O protestantismo não poderia satisfazer este requisito, uma vez que só veio surgir no século XVI. Além disto, as denominações não possuem sequer unidade entre si. Portanto, não há consenso nem entre eles sobre as verdades da Bíblia. Isto significa que eles não sabem do que a Bíblia exatamente está falando. Além de todas estas dificuldades, há outra: para entender as verdades de Deus é preciso receber do Seu Espírito, pois a Bíblia nos diz que o próprio Cristo teve de soprar sobre os apóstolos o Paráclito para que lhes fosse aberta a inteligência. Portanto, não é suficiente pegar a Bíblia e fazer uma leitura individual. Lembremos ainda da oração de Jesus: "dou-Te graças, Pai, porque escondeste essas coisas dos soberbos e as revelaste aos pequeninos". Ou seja: as verdades sobre Deus são reveladas por Ele mesmo e, para isso, é preciso manter as devidas disposições, tanto externas quanto internas. Internamente, é preciso humildade de coração, e uma pessoa que julgue que apenas pelo ato de ler curiosamente a bíblia vai conseguir entender tudo não pode ser dita humilde. Externamente, é preciso fazer parte da Igreja e receber o espírito de filiação, que é o Espírito Santo, que lhe permitirá entender a lógica interna da Escritura. Este Espírito fará com que nos submetamos à autoridade legitimamente constituída por Nosso Senhor para aprender corretamente as verdades da Fé. Tal autoridade, mais uma vez, é, historicamente, a Igreja Católica Apostólica Romana. Isto é facilmente constatável.

Para terminar, se tudo que deve ser crido deve necessariamente estar na Bíblia, só poderíamos crer na Sola Scriptura se ela estivesse na Bíblia, e ela não está. Portanto, professar essa crença é cair em contradição pura e simples. No mero ato de declarar que só a Bíblia é regra de salvação, o sujeito está professando uma regra que não está na Bíblia.

Concluindo:

A Bíblia, pela sua própria natureza, exige uma autoridade que lhe seja anterior (para escrita e escolha dos livros) e que lhe seja simultânea (para a correta interpretação). Pela sua própria natureza, também, ela não esgota as verdades sobre Deus e, portanto, deve fazer parte de um contexto maior. Este contexto maior é a Tradição cristã. Tanto é assim que a Bíblia só vai surgir como um compêndio - o repetimos - no século IV, ou seja: os cristãos estavam a viver plenamente a fé sem que fosse necessário haver uma Bíblia. A Fé transmitiu-se sobretudo por via oral e pela tradição dos Apóstolos. Se a Bíblia vai ser formada é para somar-se a esta tradição, e não para substituir-se a ela.

A Sola Scriptura, portanto, não tem sentido nenhum.

Fábio.

Constantino fundou a Igreja Católica?




Seria uma grande ingenuidade pensar que a Igreja se perverteria e que os cristãos deixariam o império romano "adotar" a Igreja, contrariando as promessas de Cristo de que o inferno não prevaleceria contra ela e de que Ele estaria com a Igreja até o fim dos tempos. Na época de Constantino, que mais não fez que fazer cessar a perseguição à Igreja, o catolicismo já estava espalhado pelo mundo, processo que só se intensificou depois que Constantino parou a perseguição. Portanto, não era possível mais que a Igreja fosse mudada em sua substância. Para quem conhece essa época, sabe que os cristãos eram muito sérios, e mesmo os filhos do Imperador chegaram vez ou outra a ser escorraçados da Igreja porque, por algum motivo, supunham poder estar junto do padre no altar.

Mas, a fim de tornar ainda mais claro, vejamos o artigo abaixo:

***

Este artigo poderia ser classificado como mais um da série "falácias 'evangélicas'"... Sim, esta é mais uma das "invencionices" nos nossos pobres irmãozinhos afastados. Respondemos à pergunta logo de cara: claro que não, a Igreja Católica não foi fundada por Constantino. Isso é um disparate sem tamanho, uma tolice tão grande e evidente por si mesma que dispensa explicações... No entanto, como vivemos num país de ingênuos e de maioria inculta, damo-nos ao trabalho de publicar este artigo.

O imperador Constantino, também conhecido como Constantino Magno, o Grande, ou Constantino I, nasceu em 274 e faleceu em 337; foi imperador durante 31 anos (de 306 a 337). Era filho de Constâncio Cloro e Helena, uma cristã que se tornou Santa Helena. Casou-se com Faustina, filha de Maximiliano Hércules.

Tudo isso é história. Certo. Bem, então não precisamos dizer mais nada, pois é fato incontestável que no início do século terceiro o cristianismo já estava espalhado por quase todo o mundo, penetrando inclusive nas classes nobres, mas ainda perseguido pelos imperadores romanos, que tentavam, pelo poder das armas, destruir a Fé.

Após a morte do imperador Galério, o poder ficou dividido entre Maxêncio (que se autoproclamou imperador) e Constantino (aclamado imperador por seus soldados). Os dois ambicionavam o poder, e a luta entre eles encerrou-se no dia 28 de outubro de 312, com a histórica vitória de Constantino junto à Ponte Mílvia.

À ocasião, Constantino testemunhou ter visto no céu uma cruz com a inscrição "In Hoc Signo Vinces" ('Com este Sinal vencerás'). - Este foi um marco para a sua conversão, que não se deu de uma hora para outra: ele foi batizado somente em 337, no fim de sua vida. Alguns historiadores contestam a conversão de Contantino. De fato, objetivamente não há como se afirmar se a sua conversão foi sincera ou se ele, antes de tudo, adotou uma inteligente estratégia política e militar, pois, ao se declarar cristão, obteve o apoio de uma parcela importante da população e inclusive da nobreza. Essa questão, porém, não tem a menor importância para o fato que estamos demonstrando aqui, pois é fato que Constantino concedeu total liberdade de culto aos cristãos, a partir do ano 313, com o chamado Édito de Milão, documento no qual constava: "Havemos por bem anular por completo todas as retrições contidas em decretos anteriores acerca dos cristãos; - restrições odiosas e indignas de nossa clemência, - e dar total liberdade aos que quiserem praticar a religião cristã".

Nesse tempo, o Papa era Melcíades, 32º Sumo Pontífice da Igreja depois de São Pedro. Assim, não há como se afirmar que Constantino seja o fundador da Igreja de Cristo, já que ele apenas deu liberdade aos cristãos, - que obviamente já existiam desde o século I, - acabando com mais de dois séculos e meio de perseguição e martírios.

Como dissemos no começo, trata-se de uma questão extremamente simples, fácil de compreender e impossível de negar. É preciso um altíssimo grau de alienação da realidade para aceitar a ideia de que tenha sido um imperador romano que tenha fundado a Igreja, a partir do século IV. Nenhuma igreja protestante histórica (as mais antigas) adota esse tipo de teoria da conspiração absurda para renegar a autoridade da Igreja Católica, pois tanto seus pastores quanto seus adeptos são pessoas esclarecidas e bem formadas. E agora que já demonstramos que sem dúvida não foi Constantino quem fundou a Igreja Católica, a pergunta que fica é: então quem fundou a Igreja Católica?

Foi o próprio Senhor Jesus Cristo.

Fonte: Voz da Igreja

Lembremos ainda que o termo "católica", do grego "katholikós" foi usado primeiramente por Sto Inácio de Antioquia, no iniciozinho do séc. II, lá pelo ano 106 d.C. Sto Inácio é um padre apostólico, isto é, conheceu pessoalmente os apóstolos, sendo discípulo de São João e ordenado por S. Pedro. Quem se der ao trabalho de ler os seus escritos, reconhecerá a mesma estrutura e a mesma fé da Igreja Católica hoje.

Fábio.

Pe. Fábio de Melo se retratou! Deo gratias!!!


Queridos amigos,

Em virtude da polêmica que envolveu minha fidelidade à Ortodoxia Católica, venho esclarecer alguns pontos.

Em nenhum momento da minha vida atentei contra a sacralidade da Igreja Católica Apostólica Romana. Sou Mestre em Teologia Dogmática e zelo muito para que minha pregação esteja de acordo com os ensinamentos da Igreja. Este é o credo que professo: “Creio na Santa Igreja Católica Una, Santa, Católica e Apostólica.” Nunca inventei uma crença particular, ou um modo diferente de compreender esta profissão de fé.

A expressão que usei no programa de “De frente com Gabi”, “Jesus queria o Reino de Deus, mas nós demos a Ele a Igreja” é uma expressão muito usada nos bastidores acadêmicos que frequentei em minha vida, e está distante da proposta herética que ela já representou em outros tempos. O significado evoluiu.

Nossa Fundação é Santa, pois fomos instituídos pelo Cristo. “A Igreja é um corpo, em que nós somos os membros e Jesus Cristo é a cabeça (Col 1,18; I Cor 12,27). Na cabeça o Reino já está estabelecido. Em Cristo, o Reino já está plenamente manifestado. Mas os membros do corpo ainda estão no contexto da busca, pois continuamos arrastando as consequências adâmicas do nosso pecado. E por isto, mesmo que em Cristo o Reino já esteja plenamente manifestado, em nós, Igreja, povo de Deus, ele continua sendo a meta que nunca deixamos de buscar.

O Concílio Vaticano II, através de sua Constituição Dogmática Lumen Gentium, enfatizou que a Igreja é povo de Deus. O povo é errante, pois apesar de estar mergulhado nas graças do batismo, ainda sofre as consequências da fragilidade que o pecado lhe deixou. O mesmo Concílio declarou "O Reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus..." (LG 3).

Presente em mistério. Isto é, cabe a nós, membros deste corpo, apressar a sua chegada. A Igreja é triunfante, mas também é peregrina, penitente, pois que carrega em sua carne a fragilidade de seus membros.

Sim, a Igreja é santa, mas comporta em seu seio os pecadores que somos nós. E por isso dizemos, também com o perigo da imprecisão teológica: “A Igreja é Santa e pecadora”. Bento XVI sugeriu modificar a expressão. “A Igreja é Santa, mas há pecado na Igreja”. Notem que ele salvaguarda a santidade na essência.

Mas o pecado existe na Igreja. Por isto rezamos nas liturgias diárias pelo Santo Padre, pelos bispos, pelo clero, pelo povo de Deus. Clamamos por purificação, luzes em nossas decisões, pois sabemos que é missão do Espírito encaminhar na terra a Igreja que ainda não é Reino de Deus (porque maculada pelos nossos pecados), e que ao Cristo damos diariamente. Mas nós caminhamos na esperança. Sabemos que um dia todas as partes do corpo estarão agindo em perfeita harmonia com a cabeça. Seremos a “Jerusalém Celeste”.

Eu assumo que errei ao usar a expressão. Eu não estava numa sala de aula, lugar onde a Ortodoxia convive bem com a dialética. Não considerei que muitos telespectadores poderiam não entender o contexto da comparação. E por isso peço desculpas. E junto às desculpas, faço minha retratação. Nunca tive problema em assumir meus equívocos. Usei uma expressão que carece ser contextualizada com outras explicações, para que não pareça irresponsável, nem tampouco herética.

Repito. Eu não nego nem neguei a definição dogmática expressa na Lumem Gentium, Número 5.

“O mistério da santa Igreja manifesta-se na sua fundação. O Senhor Jesus deu início à Sua Igreja pregando a boa nova do advento do Reino de Deus prometido desde há séculos nas Escrituras: «cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo» (Mc. 1,15; cfr. Mt. 4,17). Este Reino manifesta-se na palavra, nas obras e na presença de Cristo. A palavra do Senhor compara-se à semente lançada ao campo (Mc. 4,14): aqueles que a ouvem com fé e entram a fazer parte do pequeno rebanho de Cristo (Luc. 12,32), já receberam o Reino; depois, por força própria, a semente germina e cresce até ao tempo da messe (cfr. Mc. 4, 26-29). Também os milagres de Jesus comprovam que já chegou à terra o Reino: «Se lanço fora os demónios com o poder de Deus, é que chegou a vós o Reino de Deus» (Luc. 11,20; cfr. Mt. 12,28). Mas este Reino manifesta-se sobretudo na própria pessoa de Cristo, Filho de Deus e Filho do homem, que veio «para servir e dar a sua vida em redenção por muitos» (Mt. 10,45).”

E quando Jesus, tendo sofrido pelos homens a morte da cruz, ressuscitou, apareceu como Senhor e Cristo e sacerdote eterno (cfr. Act. 2,36; Hebr. 5,6; 7, 17-21) e derramou sobre os discípulos o Espírito prometido pelo Pai (cfr. Act. 2,33). Pelo que a Igreja, enriquecida com os dons do seu fundador e guardando fielmente os seus preceitos de caridade, de humildade e de abnegação, recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino de Cristo e de Deus em todos os povos, e constitui o germe e o princípio deste mesmo Reino na terra. Enquanto vai crescendo, suspira pela consumação do Reino e espera e deseja juntar-se ao seu Rei na glória.”

Agradeço pela prece dos que me acompanharam neste momento tão sofrido.

Com minha benção,

Respondendo a uma leitora - A Igreja distorce as verdades de Deus?


Uma leitora nos escreve o que segue. Após a missiva, vai a nossa resposta. Está como escrevi e sem revisão. Está na hora de ir à Missa. Corrijo qualquer coisa depois. Pax.

*****

Caro Fábio, 

Achei curioso o título de seu artigo e vim ler. Mas não vim aqui defender ou mostrar os erros do Pe Fábio, porque, assim como tantos outros padres, ele tem seus erros, uns mais leves, outros mais graves. Venho aqui "avaliar" sua conduta, assim como você "avaliou" a do Pe Fábio. 

Pois bem, já li outros artigo seus e vejo que você fala muito de heresia, e de fato, as pessoas tentam distorcer a verdade e a igreja católica fez isso muito bem, logo, não são as fabinetes que são cegas, mas nós católicos que somos. Sou católica até quando Deus me mandar mudar de religião, e depois que comecei a ler a bíblia e conhecer as verdades, passei a não concordar com muita coisa de nossa igreja. Os padres mesmo confessam que tem muita coisa errada e que não podem mudar porque causaria um grande tumulto e perderiam vários fiéis.

E não é importante que todos os católicos defendam a doutrina verdadeira da igreja, mas é importante que defendam a doutrina que Deus nos deu. Pois não é a igreja que vai nos salvar e você sabe muito bem disso. 

“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade.” (Mt 7. 21-23)

A igreja tem a chave do Reino de Deus, mas fecha as portas e não deixam entrar quem deseja entrar, como Jesus mesmo disse em Mt 23.13, lê aí. Como é que pode uma igreja, serva de Deus, proporcionar uma festa dedicada a um santo, que por sua vez foi um servo de Cristo, que deu a vida por ele, que curou, anunciou, mas não vem dele nossa salvação?!

La em Atos 14.12-13, mostra que quando o povo quis oferecer sacrifício e uma festa para Paulo e Barnabé por eles terem feito um milagres, eles, os apóstolos, rasgaram suas roupas em sinal de protesto e falou que eram apenas seres humanos, assim como nós. Quem fez o milagre foi Deus, por meio deles E a Deus é dado TODA HONRA E TODA A GLóRIA. 

Lá em apocalipse 22.8-9, João caiu aos pés de um ANJO para adorá-lo, e o anjo não aceitou e disse que ele também era um servo de Deus, assim como João e os outros irmãos. 

Respeito muitos os santos, porque eles foram servos de Deus e merecem toda a nossa ADMIRAÇÃO. Eles são exemplos a serem seguidos, com certeza. Mas eles estão adormecidos até que o Rei retorne e aí sim, ressuscitarão. 

Sendo assim, NÃO entendo o por que a igreja ainda faz isso. Pessoas fazem promessas aos santos, pagam sacrifícios a eles, sendo que eles NÃO vivem. Quem Vive é Cristo, que ressuscitou e pagou sacrifício por todos nós. 

Porque ninguém faz uma festa dedicada ao Senhor, nosso Deus, e ao seu filho, Jesus Cristo, o nosso Salvador??? Ninguém faz, e se faz eu nunca vi. Porque na procissão do dia 2, milhares de gente vai atrás da charola de Santa Maria Madalena e pouquíssima pessoa na do sagrado coração e Jesus? Milhares de GNT pagando sacrifício para os santos, e acho que ninguém pra Jesus. Lê lá em Amós 5.21.27, Deus mesmo diz que detesta certas festas religiosas.

As pessoas não veem a Deus como Ele deve ser visto, e não o servem como Ele merece ser servido. Exaltam os santos, mas esquecem se exaltar o Rei dos Reis. E isso tudo de quem é a culpa? Da igreja é claro, porque são os ensinamentos dela que o povo tá seguindo.

E falando de festas, como pode a igreja concordar de, numa festa religiosa, ter bandas com músicas mundanas, músicas que só falam de baixaria, de bebedeira, colocam a mulher lá em baixo e os homens como safados. Como pode em uma festa religiosa ter várias barracas de bebidas, onde os jovem compram e eles mesmo dizem , que o “bacana” é beber para ficar bêbado; E sabe o que vai ter muito nessa festa? Jovens e adultos bêbados, vai sair adultério, violências em geral, danças indecentes, e tantas outras coisas. Aí me diz: Deus estará presente em uma festa assim, onde só tem coisas que Ele mesmo disse que odeia ( uma das passagem é essa Galatas 5.19-21, mas tem outras passagens que fala desses pontos que citei agora). Tenho certeza que não, mas sabe quem vai estar com um exercíto lá? Satanás, fazendo tudo que não presta, tudo o que Deus odeia. Já que é uma festa religiosa, só deveria ter banda gospel, ou mais especificamente, católica onde o nome de Deus seria exaltado e louvado. Mas porque não tem? Porque desagradaria a população, o prefeito, pouquíssima gente iria e o movimento de dinheiro, no geral, seria pouco também. 

Acorda igreja, o que devemos seguir são os ensinamentos de Deus e não de uma igreja, porque a igreja instituição tem muitas falhas. E porque não consertam? Não sei. Talvez seja pra se cumprir o que Jesus disse, essas igrejas tem que existir.

Queridos, a igreja tem que agradar a Deus e não ao homens. Podem me chamar de herege o quanto quiser, não me importo. Só quero que Deus me chame de filha e fiel, Ah! Isso eu quero muito.
Tem outros pontos a debater sobre a igreja, mas fica para outra oportunidade para não misturas os assunto ;)

Fica com Deus meu querido e que a paz Dele encha seu coração.
Abraços

********

Caríssima, primeiramente, agradeço muito que tenhas vindo aqui e partilhado as tuas inquietações. Fique à vontade para fazê-lo sempre que quiser. Posso dizer que uma das minhas alegrias é de fato responder essas coisas. Portanto, você e os demais: não se constranjam.

Em segundo lugar, permita-me dizer que você não é católica, e o digo com muito respeito, apenas constatando uma verdade evidente. Te explicarei por quê.

Vamos lá...

Você diz que a Igreja distorce as coisas, que os padres confessam que há muita coisa errada (???) e que não mudam porque causaria um tumulto na Igreja (???) e que começou a constatar isso depois que começou a ler a Bíblia..

Primeiro, me responda: qual foi o padre que você ouviu falando que tem muita coisa errada na Igreja em termos de doutrina? Por favor, diga-me... Do jeito que você falou, pareceu que há um consenso entre os padres, sobre isso. Mas é óbvio que isso é falso! Ninguém na Igreja é forçado a mentir, a fingir. Aqueles que são integralmente católicos, isto é, que aceitam a totalidade da Fé Católica não o fazem por sere ingênuos ou mentirosos. Isso é absolutamente nonsense! 

Você afirma que os padres dizem que não mudam porque isso causaria um tumulto na Igreja. De novo: onde você viu isso? Ou você escutou isso num ambiente protestantizado e nada sério, ou num manicômio, e o digo com todo o respeito, porque isso é tão absurdo que me custa crer que isto esteja na tela aqui do PC. Caríssima, isso não é verdade. Penso que você esteja projetando na realidade uma coisa que você acha a partir de não sei o quê. 

Depois, você diz que começou a ver isso tudo depois que começou a ler a Bíblia. Veja só: a Bíblia foi compendiada pela Igreja Católica. Só no século IV é que vai surgir um livro com o conjunto dos escritos canônicos. Foi a Igreja quem escolheu os livros do Novo Testamento, e o fez a partir de um critério doutrinal baseado na autoridade que ela recebeu do próprio Cristo. Foi ela também que dividiu os livros em capítulos e versículos, a fim de facilitar a leitura. Logo, não há sentido NENHUM em dizer que a Bíblia contradiz qualquer coisa que seja na Igreja, já que foi a Igreja quem a compendiou. Aliás, a rigor, a Bíblia é um livro católico. Portanto, eu não sei que tipos de leitura você está fazendo; provavelmente, está seguindo algum tipo de manual protestante, pois a sua mentalidade já é total e claramente protestantizada. No entanto, se você quiser mesmo ser sincera, você deve fazer o seguinte: quando ler alguma coisa que entre em aparente contradição com o que você conhece do catolicismo, não parta já para a acusação de que a Igreja está errada. Antes, pergunte o que a Igreja diz a respeito daquilo. Como você sabe, a Escritura não é um livro fácil e este costume aí de fazer um livre exame, que foi desgraçadamente iniciado pelo maluco do Lutero, é o que tem gerado mais de 50.000 seitas ao redor do mundo, cada uma advogando para si a verdade e isso sempre com base nos achismos dos fundadores pretensiosos. Ora, a Bíblia é um livro, e como tal, pode ser interpretada de maneiras diversas. Deus sabia disso, obviamente, e é por isso que é logicamente necessário que uma autoridade resguarde o modo correto de compreendê-la. Ter o próprio subjetivo como critério é o melhor meio de não entender bulhufas. Ninguém, em sã consciência, pegaria um livro de Kant pra ler, e o interpretaria a seu bel prazer. E por que diabos as pessoas o fazem com a Bíblia? É um livro difícil e precisa de critérios para ser lido. Lembre do Eunuco que, lendo o profeta Isaías, foi perguntado por Felipe se estava entendendo o que lia. Ele respondeu: "como vou entender se não há quem me explique?" (At 8,29-31)

Veja o que sobre isso escreve o enorme Gustavo Corção:


"...o que nos choca na atitude protestante é o seu esquisito modo de estimar a Bíblia. Nenhum de nós que escreve gostaria de sofrer o tratamento a que o protestante submete o Espírito Santo. Nenhum de nós se alegra de ser livremente interpretado; e podemos até dizer que o nosso mais acabrunhante sentimento vem do elogio equivocado. André Gide disse uma vez a um admirador apressado que, por favor, não o compreendesse tão facilmente. Pois bem, o Deus ciumento de sua identidade, que martela em nossos ouvidos a sua terrível definição "Eu sou aquele que sou", e que nos recomenda insistentemente que guardemos a doutrina, é tratado como um acomodado personagem que nos dissesse com bonomia: Aqui está a minha revelação, estejam a gosto, e façam dela o que quiserem."

A visibilidade da Igreja, 1951.

São Paulo também dizia que a Fé vem pelo ouvir. Sabes o que isso significa? Que é preciso aprender de outro, ao invés de se dar somente a leituras individuais. Você provavelmente está aprendendo de protestantes que, por sua vez, foram fundados por adeptos da Sola Scriptura, que é contraditória desde o início.

Portanto, eu te garanto: as afirmações que você dá sobre padres que supostamente reconheceriam os erros doutrinais da Igreja e que não dizem nada para não causar tumultos, ou são totalmente falsas, ou são de padres absolutamente desinformados, o que, infelizmente, hoje em dia, não é raro.

Continuemos.

Você diz que não é importante que os católicos defendam a doutrina da Igreja, mas a doutrina que Deus nos deu, pois não é a Igreja que vai nos salvar.

Só aqui há um compêndio de erros e incompreensões. Primeiro que a doutrina católica É a doutrina que Deus nos deu. A doutrina da Igreja procede diretamente dos Apóstolos e vem, desde então, sem hiatos ou mudanças substanciais, até hoje. Você poderia facilmente constatar isso se desse uma lida nos escritos cristãos do século I e II. Leia-os. Vai ser muito salutar. Há casos de seitas inteiras que se convertem ao catolicismo porque lhes passa pela cabeça ler esses escritos a fim de provar a idolatria da Igreja. E resultado: eles chegam à evidente constatação de que a Igreja é católica desde o início. Leia-os: será uma prova de sinceridade para você. Se o teu interesse é mesmo pela verdade, você não tem o que temer, pois, como dizia Nosso Senhor, quem procura, acha.

Quando Jesus deixou a Igreja sobre Pedro, ele prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam sobre ela (Mt 16,18), isto é, ela nem acabaria nem se perverteria, e também deu-lhe autoridade para "ligar e desligar" (Mt 16,19), afirmando que "quem vos ouve a Mim ouve, e quem vos rejeita, a Mim rejeita." (Lc 10,16). Desde então, a Igreja assumiu o seu múnus de cuidar da verdade para que não se distorça e para que chegue até os confins da terra, cumprindo a ordem de Jesus: "Ide e ensinai" (mt 28, 19). Disto se segue o seguinte: renegar à Igreja é renegar a Cristo, pois a Igreja é a coluna e sustentáculo da verdade (1Tim 3,15) e é, ainda, esposa do Cristo (Ef 5,32). Ora, sabemos que o esposo e a esposa formam um só. Assim também é Cristo e Igreja. E também por isso ela é chamada de "corpo de Cristo" (Col 1,18), sendo Cristo a cabeça. Ora, cabeça e corpo são um só. Portanto, a doutrina católica é a doutrina de Cristo. Por este motivo, não há nem pode haver nenhuma contradição entre a Escritura e a Doutrina Católica. Qualquer aparente contradição será mera aparência, devendo ser esclarecida.

Você nos traz um trecho bíblico que é o seguinte: "Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus." (Mt 7,21) Veja agora este outro: "A vontade do meu Pai é esta: que vocês creiam naquele que Ele enviou" (Jo 6,30). Ora, só podemos crer naquilo que conhecemos. E como vamos conhecer o Cristo? Não é possível saber d'Ele apenas lendo. Ele mesmo falou: "ninguém conhece o Pai senão o Filho, e ninguém conhece o Filho senão o Pai e aquele a quem o Pai o quiser revelar." (Mt 11,12). Então, não é suficiente ler, nem imaginar. Ora, o Pai, desde o início dos tempos, preparava a humanidade para a vinda da Igreja. Jesus morreu para isto: a Igreja surge do lado aberto de Cristo na Cruz, a partir do Sangue e da Água, que representam o Batismo e a Eucaristia, os dois principais Sacramentos da Igreja. A Igreja é aquela que perpetua o ato da consumação da Nova e Eterna Aliança do Cristo em favor dos homens. Portanto, o modo que Deus escolheu para que conhecêssemos Seu Filho não foi outro que não a Igreja. E é por isso que ela está aí ativa desde o início. E supor que ela se perverteu é afirmar que a promessa de Jesus Cristo a respeito dela não se cumpriu, o que é, de novo, um nonsense.

Depois, esse trecho que você traz em que Jesus dá um carão nos fariseus por não entrarem nem deixarem que os outros entrem no Reino não tem absolutamente nada a ver com a Igreja. A Igreja sempre foi a possibilitadora dos meios de salvação. A quantidade inimaginável de santos é a prova inconteste. E por falar nisso, vamos explicar o que são os santos? Você demonstrou também não entender nada sobre isso, o que só prova que você está inteiramente intoxicada de protestantismo.

Como você falou, um santo é alguém que dedicou sua vida inteira a Deus, e o fez de modo heróico, visceral. Ele morreu para si mesmo a fim de que Cristo vivesse nele, como tão bem o expressou São Paulo. Porém, a santidade é sobretudo um caminho interno, e não meramente externo. Fazer boas ações é possível tanto para um ator quanto para alguém que esteja agindo por interesse. Como, então, constatar que um santo é, de fato, um santo, isto é, está animado de amor verdadeiro e desinteressado por Deus? Ninguém pode ser testemunha da consciência de uma pessoa, a não ser ela mesma e Deus. Logo, de que modo poderíamos dizer que alguém se salvou de certeza? Só podemos fazê-lo se o próprio Deus o revelar de algum modo. E ele o faz. Quando alguém está sendo investigado sobre a sua conduta, a fim de poder ou não ser declarado santo, é exigido um sinal sobrenatural a partir da intercessão da alma do santo - que não está dormindo, e disso tratamos já já. Este sinal sobrenatural necessita ser um milagre, inexplicado pela ciência, e que ocorra de imediato, contrariando as leis naturais a respeito, e tenha se dado a partir do pedido da intercessão do santo em questão. Quando isto se dá, não se está a dizer que o santo possua algum tipo de poder que lhe seja próprio, mas que ele está diante de Deus e que Este, a partir do pedido do santo, operou o referido milagre. É um modo de constatar que ele realmente está no céu. Deus não operaria um milagre baseado no pedido a um santo se ele não estivesse, de fato, lá, pois isto seria um modo de endossar um erro, coisa que Deus não faz. Depois, dá uma olhada nos mais de dois mil corpos incorruptos de que a Igreja dispõe só para você ter uma pequena idéia.

Sobre Paulo, Barnabé e o Anjo terem recusado o culto, mas é claro que recusariam. Primeiro, porque as pessoas estavam querendo adorá-los, e adoração só pode ser dada a Deus. Depois, porque, enquanto vivo, nenhum homem pode aceitar um culto a si, ainda que de veneração, pois é fato de que ele ainda está a lutar contra a concupiscência e as inclinações da vaidade. Mas há vários exemplos de prostrações na bíblia diante de homens respeitosos e que não implicavam em adoração. Só para citar dois:

"O rei Salomão mandou mensageiros, e fizeram Adonias descer do Altar. Ele então veio e prostrou-se diante do rei, que lhe disse: 'Volta para a tua casa'." (1Rs 1, 53)

“Eliseu atravessou o rio. Os irmãos profetas (...) vieram ao seu encontro e prostraram-se por terra, diante dele”. (2 Reis 2,15)

E existe uma infinidade de outros exemplos.

Quando nós veneramos um santo, nós estamos reconhecendo que o Evangelho é real, é possível e a grandeza que Deus está disposto a realizar na vida de alguém que Lhe seja fiel. Não é outra coisa. O santo não compete com Nosso Senhor; antes, ele evidencia a grandeza de Deus. Qualquer outra coisa, não é catolicismo.

Depois você diz que eles estão adormecidos, e isto é outra coisa totalmente falsa. Provavelmente, você teve influência ou de Testemunhas de Jeová ou de Adventistas. Mas esta crença está equivocada. Vocês costumam fundamentar essa afirmação aí principalmente a partir do livro de Eclesiastes. Mas, pegando este mesmo livro, vamos ao capítulo 3, versículo 21: 

"Quem pode saber se o sopro vital do homem sobe para o alto, e o do animal desce para debaixo da terra?"

Salomão está aí a dizer que não sabe. O propósito deste livro não é falar da realidade póstuma, mas apenas convencer ao homem da fatuidade da vaidade e da efemeridade das coisas cá de baixo. Não é um tratado sobre realidades sobrenaturais, até porque, no Antigo Testamento, não havia muita clareza sobre isso. Tudo ficará claro com o Cristo. E, falando nisso, seria possível citar vários exemplos: o bom ladrão, Moisés e Elias na Transfiguração, a parábola do rico Epulão e do pobre Lázaro, etc. Mas fiquemos com dois trechos de São Paulo que eu considero particularmente claros:

"Pois para mim a vida é Cristo e a morte um lucro. Porém, se o viver na carne significa para mim trabalho fecundo, não sei o que escolher... Sinto-me premiado dos dois lados: por um lado, desejo partir e estar com Cristo, o que, certamente, é muito melhor; mas, por outro lado, ficar na carne é mais necessário para vós" (Fl 1,21-24).

Por isso, estamos sempre cheios de confiança. Sabemos que todo o tempo que passamos no corpo é um exílio longe do Senhor. Andamos na fé e não na visão. Estamos, repito, cheios de confiança,preferindo ausentar-nos deste corpo para ir habitar junto ao Senhor. É também por isso que, vivos ou mortos, nos esforçamos por agradar-lhe. Porque teremos de comparecer diante do tribunal de Cristo. Ali cada um receberá o que mereceu, conforme o bem ou o mal que tiver feito enquanto estava no corpo." (II Cor 5,6-10)

Se você não conseguir compreender os trechos acima, diga, que a gente tenta explicá-los. Mas, sinceramente, isto aí está claro.

Só para concluir este assunto: o que dorme é sempre o corpo, pois este, em viver, gasta energia e, naturalmente, precisa descansar. A alma não possui matéria; portanto, não tem nenhuma necessidade de dormir. E, sim, há alma. Lembra do que Jesus fala:

"Não tenhais medo daqueles que matam o corpo. Direi a quem vocês devem temer: temei aquele que DEPOIS de matar o corpo, tem o poder de mandar a alma ao inferno" (Lc 12,4). 

Está claro? Prossigamos.

Você diz que ninguém faz festa dedicada a Nosso Senhor. Mas é claro que faz! Festa de Corpus Christi, festa do Sagrado Coração, festa de Cristo Rei, Natal, Páscoa, etc.

Enfim, caríssima. Tudo quanto você escreveu como crítica à Igreja carece em absoluto de qualquer fundamento. Por melhor que tenha sido a sua intenção, isto só revela como você está longe de entender o que é a Igreja Católica Apostólica Romana. Antes de passar para a última parte da sua crítica, deixe-me explicar porque eu digo que você não é católica.

Para ser católica, não é suficiente ir na Igreja, participar de uma ou outra missa, cantar umas musiquinhas, etc. Para ser católico é preciso professar a Fé da Igreja. Para professar a Fé da Igreja, é preciso antes conhecê-la, e hoje em dia, para conhecê-la, é preciso estudá-la, coisa que você não fez. A Fé não é um sentimento vago de crença em algo confuso. É, antes, a adesão pessoal a verdades claras e estabelecidas por revelação e autoridade divina. Se você põe em questão uma só das verdades de Fé, você coloca em xeque a autoridade que a Igreja recebeu do Cristo. Ora, se ela erra em algum ponto, então não é garantia de que não tenha errado em outros. Assim, nada mais é seguro e cada um vai crer no que quiser. E precisamente isto é o protestantismo. Dizia Sto Agostinho: "se você escolhe no que acreditar, não é em Deus que você acredita, mas em você mesmo.", e isso, caríssima, é demoníaco. Eu poderia pôr outros textos aqui a respeito disso, mas não vou fazê-lo para que não fique tão extenso.

Para concluir este ponto, cito apenas de memória o Pe. Faber, um bom padre, e que comparava a Fé a um olho humano. Se você espetar o olho num minúsculo ponto, isto já é suficiente para prejudicar toda a visão. Assim também é a Fé: se você renega um só ponto, toda ela é prejudicada e você se vê imerso numa espécie de subjetivismo que de fé só tem o nome.

Agora, sim, terminando: sobre as suas críticas à festa da Padroeira daqui da cidade, eu não tenho o que discordar. Só faço uma ressalva: isto não é uma festa da Igreja Católica Apostólica Romana. Isto é uma particularidade daqui.

No mais, agradeço mais uma vez, e peço que você não tome isso com animosidade, mas como uma forma de você aprender melhor sobre a Igreja. Interesse-se por ela; faça as perguntas que você quer, mas seja católica integralmente. Só assim você se abrirá para entender pelo menos um pouco da imensa beleza que é a Esposa de Cristo.

"Eis a Igreja de uma beleza perfeita, alegria do mundo inteiro!"

Que a Virgem nos conduza a todos.

Fábio.

O conflito sobre o Sábado


Vamos seguir o diálogo de [Jacob] Neusner*, o crente judeu, com Jesus e começamos com o sábado; observar [o sábado] cuidadosamente é para Israel expressão central da sua existência como vida em aliança com Deus. Mesmo ao leitor superficial dos Evangelhos é conhecido que o conflito acerca do que pertence ou não ao sábado está no centro das discussões de Jesus com o povo de Israel do seu tempo. A explicação habitua diz que Jesus rompeu com uma mesquinha prática legalista e em vez dela teria oferecido uma visão mais generosa e mais livre, que abriria as portas para uma ação racional e de acordo com a situação. Como prova disso, serve a frase: "O sábado é para o homem e não o homem para o sábado" (Mc 2,27), na qual se encontra uma visão antropocêntrica de toda a realidade, de que resulta por si mesma uma explicação "liberal" dos mandamentos. Assim, por conta dos conflitos em torno do sábado foi deduzida a imagem do Jesus liberal. A sua crítica ao judaísmo do seu tempo seria a crítica do homem refletido, livre e racional a um legalismo ossificado, que no fundo significa hipocrisia e rebaixa a religião a um sistema serviu, que inibe o homem no desenvolvimento da sua obra e da sua liberdade. Compreende-se então que daqui não pode surgir nenhuma imagem favorável do judaísmo; a crítica moderna, a começar com a Reforma, enxergou assim este "judaísmo" regressado no catolicismo.

Em todo o caso, etá aqui em debate a questão acerca de Jesus - quem Ele realmente era e o que realmente queria - e também a pergunta acerca da realidade do judaísmo e do cristianismo: era Jesus na realidade um rabino liberal, um precursor do liberalismo cristão? Então, o Cristo da fé e, portanto, toda a fé da Igreja não passam de um enorme erro?

Neusner rápida e surpreendentemente põe de lado este tipo de explicação; ele pode fazer isso, porque de um modo convincente descobre o ponto real do conflito. A respeito do conflito sobre o ato de os discípulos arrancarem espigas, ele diz apenas: "O que inquieta não é a infração dos discípulos do mandamento acerca do respeito do sábado. Isso seria insensato e passaria ao lado da questão". Certamente, quando lemos o conflito sobre as curas ao sábado e os relatos sobre a irada tristeza do Senhor por causa da dureza dos corações dos defensores da explicação dominante acerca do sábado, vemos que nestas discussões estão em causa as questões mais profundas a respeito do homem e do modo correto de louvar a Deus. Neste sentido, também não é certamente de todo "trivial" este lado do conflito. Mas Neusner tem ainda razão quando, na resposta de Jesus a propósito de os discípulos colherem espigas no sábado, encontra claramente exposto o núcleo mais profundo do conflito.

Jesus defende o modo de proceder dos discípulos ao saciarem sua fome em primeiro lugar com a referência a Davi, que comeu pão sagrado com os companheiros na casa de Deus" que nem ele nem os seus companheiros, mas apenas os sacerdotes podiam comer." Depois continua: "Ou não lestes na lei que ao sábado os sacerdotes no templo não respeitam o sábado, sem que com isso se tornem culpados? Eu digo-vos: Aqui está alguém que é maior que o templo. Se tivésseis compreendido o que quer dizer 'quero misericórdia, não o sacrifício' (Os 6,6; ISam 15,22), então não teríeis condenado inocentes; porque o Filho do homem é senhor do sábado" (Mt 12,4-8). E acrescenta Neusner: "Ele (Jesus) e os seus discípulos podem fazer ao sábado o que quiserem, porque eles tomaram o lugar dos sacerdotes no templo: o lugar sagrado deslocou-se. Ele consiste agora no círculo do Mestre e dos seus discípulos" (p. 86s).

Aqui devemos deter-nos um instante para vermos o que é que o sábado representava para Israel, e assim também percebermos o que estava em jogo nesta disputa. Deus repousou no sétimo dia - assim noz diz o relato da criação. "Neste dia festejamos a criação", conclui Neusner com razão. E mais: "Não trabalhar ao sábado significa mais do que um ritual penoso para cumprir. É uma espécie de imitação de Deus". Assim, pertence ao sábado não apenas negativamente não fazer nada de atividades exteriores, mas também positivamente o "repouso" que deve expressar-se espacialmente: "Para observar o sábado deve por conseguinte permanecer-se em casa. Renunciar a todo o tipo de trabalho não basta, é preciso também descansar, e isso significa socialmente que num dia da semana é reconstruído o círculo da família e da casa, onde cada um está em casa e tudo está no seu lugar." O sábado não é, portanto, uma questão de piedade pessoal, ele é o núcleo de uma ordem social: "Este dia faz do eterno Israel o que ele é, o povo repousa tal como Deus depois da criação no sétimo dia da sua criação."

Poderíamos aqui meditar sobre como seria saudável também para a nossa sociedade atual se num dia as famílias permanecessem juntas, tornassem o lar como casa e como realização da comunhão no repouso de Deus. Mas renunciemos a estas reflexões e permaneçamos no diálogo entre Jesus e Israel, que é inevitavelmente um diálogo entre Jesus e nós como é o nosso diálogo com o povo judaico hoje.

A palavra-chave "descanso" como elemento constitutivo do sábado, segundo Neusner, faz a relação com o convite de Jesus que precede no Evangelho de S. Mateus a história dos discípulos que colhem espigas. É a assim dita messiânica exclamação de júbilo que começa deste modo: "Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes, mas as revelastes aos pequeninos..." (Mt 11,25-30). Na nossa explicação habitual, parece tratar-se aqui de dois textos completamente diferentes: um fala da divindade de Jesus, o outro, da disputa sobre o sábado. Em Neusner torna-se claro que estes dois textos estão intimamente ligados um ao outro, porque nas duas vezes se trata do mistério de Jesus - do "Filho do homem", do "Filho" em absoluto.

As frases que precedem imediatamente a história do sábado dizem assim: "Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração, e achareis alívio para as vossas almas, pois o meu jugo é suave e a minha carga leve." (Mt 11,28-30). Normalmente, isto é explicado a partir da idéia do Jesus liberal, portanto, moralmente: a concepção liberal que Jesus tem da lei alivia a vida perante o "legalismo judaico". Mas esta teoria não é muito convincente na prática, pois o seguir Jesus não é cômodo - foi isto justamente que Jesus nunca afirmou. Mas, então, como é?

Neusner mostra-nos que não se trata de nenhuma forma de moralismo, mas sim de um texto altamente teológico, ou, mais precisamente, de um texto cristológico. Por meio do tema do repouso e do tema da fadiga e do peso com ele relacionado, o texto está orientado para a questão do sábado. O repouso de que aqui se trata tem agora a ver com Jesus. O ensino de Jesus sobre o sábado aparece agora em consonância com esta chamada e com a palavra sobre o Filho do homem como senhor do sábado. Neusner resume assim o conteúdo do conjunto: "O meu jugo é suave, eu vos concedo descanso. O Filho do homem é verdadeiramente senhor do sábado. Porque o Filho do Homem é agora o sábado de Israel - assim agimos como Deus."

Agora Neusner, de um modo ainda mais claro do que antes, pode dizer: "Nenhuma admiração, portanto, que o Filho do homem seja senhor do sábado! Não o é porque explica de um modo liberal as limitações do sábado... Jesus não era nenhum reformador rabínico, que pretendesse tornar a vida do homem 'mais fácil'... Não, não se trata aqui de aliviar um peso... É a autoridade de Jesus que está em jogo...". "Agora Jesus está sobre a montanha e toma o lugar da Tora". O diálogo do crente judeu com Jesus alcança aqui o seu ponto decisivo. Agora o judeu, na sua nobre timidez, não pergunta a Jesus, mas aos discípulos de Jesus: "O teu Mestre, o Filho do homem, é realmente senhor do sábado? E de novo pergunto: o teu Mestre é Deus?"

Assim o núcleo autêntico do debate torna-se manifesto. Jesus compreende-se a si mesmo como a Tora - como a palavra de Deus em pessoa. O prólogo imponente do Evangelho de S. João - "No princípio era a palavra e a palavra estava junto de Deus e a palavra era Deus" - não diz outra coisa senão o que o Jesus do Sermão da Montanha e o Jesus dos Evangelhos sinópticos diz. O Jesus dos quatro Evangelhos e o Jesus dos sinópticos é um e o mesmo: o verdadeiro Jesus "histórico".

O núcleo dos conflitos sobre o sábado é a questão sobre o Filho do homem - a questão a respeito de Jesus Cristo mesmo. 

Mas agora devemos prestar atenção a um outro aspecto da questão que claramente havemos de encontrar no Quarto mandamento: o que na mensagem de Jesus incomoda o rabino Neusner não é só a centralidade de Jesus; ele revela precisamente isso e em última instância não discute sobre este assunto, mas sim sobre o que resulta daí para a vida concreta de Israel - o sábado perde a sua grande função social. Ele pertence aos elementos essenciais que sustentam Israel. A centralização em Jesus rompe com esta estrutura sagrada e põe em perigo um elemento essencial na sustentação do povo.

À pretensão de Jesus está ligado o fato de que a comunidade dos seus discípulos toma o lugar de Israel. Não deve então isto inquietar quem mantém o seu coração no "eterno Israel"? À questão sobre a pretensão de Jesus de ser Ele mesmo em pessoa a Tora e o Templo está também ligado o tema de Israel - a questão da comunidade viva do povo -, no qual se realiza a palavra de Deus. 

E agora se levanta aqui para os cristãos a questão: Era bom pôr em perigo a grande função social do sábado, romper com a ordem sagrada de Israel em favor de uma comunidade dos discípulos, a qual, por assim dizer, se define a partir da figura de Jesus? Esta pergunta podia e pode esclarecer-se somente na comunidade dos discípulos que estava para se desenvolver - a Igreja. Este desenvolvimento não pode ser seguido aqui. A ressurreição de Jesus "no primeiro dia da semana" trouxe consigo que, a partir de então, para os cristãos, este "primeiro dia" - o início da criação - se tornou o "dia do Senhor", para o qual por si mesmo se transpuseram os elementos essenciais do sábado do Antigo Testamento.

Que a Igreja tenha assumido de novo a função social do sábado - sempre endereçado para o "Filho do homem" - mostrou-se claramente quando Constantino, na sua reforma do Direito inspirada no cristianismo, ligou a este dia também liberdade para os escravos, além de introduzir no seu sistema jurídico reformado com base no cristianismo o dia do Senhor como um dia de liberdade e de descanso. Parece-me portanto altamente questionável que modernos liturgistas pretendam marginalizar esta função social do domingo, que está em continuidade com a Tora de Israel, como desvio constantiniano. Mas aqui está naturalmente o grande problema da relação entre fé e ordem social, entre fé e política.

RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. p.104-109.

Pe. Fábio de Melo e as "fabietes" - Algumas considerações


"O povo quer meu coração de padre" Pe. Fábio de Melo
Exatamente, padre... É só o que queremos...

No último domingo, o Pe. Fábio de Melo foi entrevistado pela Maria Gabriela em seu programa no SBT. Como esperado, Pe. Fábio falou de modo fluido e, dentre as coisas que ele disse, a maior parte ficou muito bem dita. As declarações em que o padre foi feliz, no entanto, não anulam a gravidade dos seus erros. Destes, o pior foi a afirmação de que Jesus queria o Reino de Deus, mas nós só pudemos dar a Igreja a Ele. Uma afirmação rápida, que podia facilmente passar despercebida no contexto da conversa. Porém, uma afirmação grave, de consequências funestas e que, além de tudo, já consta no histórico de condenações dogmáticas da Igreja. É, portanto, uma heresia formal.

Pois bem. Depois do ocorrido, resolvi escrever um artigo comentando sobre os erros já comuns do Pe. Fábio. Quando alguém decide fazer algo assim, porém, se torna vítima fácil dos fãs do referido sacerdote que se juntam a defendê-lo. Nesta empresa, é frequente que abandonem o jeito melífluo que aprenderam do Pe. Fábio e passem a imitar, antes, os modos mais enérgicos do Olavo de Carvalho, inclusive no seu recorrente costume de mandar os seus contendores irem fazer uma visita nos países baixos, ou, se preferirem, na porta dos fundos.

Quero, primeiramente, dizer que a simpatia que devotam pelo Pe. Fábio é, em alguma medida, participada por mim. No entanto, isto não nos deve fazer fechar os olhos para os seus erros objetivos. Nós, enquanto católicos, devemos viver consumidos de zelo pela Igreja. Uma Fé correta é fundamental, pois nos fala da verdade sobre Deus. Ao professarmos uma heresia, que estamos a fazer? Estamos obscurecendo a imagem de Deus na inteligência das outras pessoas de modo que, aqueles que aderem este erro, terminam por ter na consciência uma imagem de Deus que não corresponde à realidade. Ora, o homem foi feito para Deus. Por isso, é de fundamental importância que o seu conhecimento sobre Deus seja o mais exato possível, pois um conhecimento equivocado tem como consequência o dificultamento do acesso a Ele. Por isso também que o Cristo deixou a Igreja para cuidar da pureza na transmissão deste conhecimento e combater, desde o início, todas as heresias que tentassem distorcer a verdade.

Só pra termos uma idéia, quando João evangelista escreve o seu Evangelho, ele o faz já combatendo uma heresia que havia surgido no século I, o movimento dos docetas. Estes hereges diziam que o corpo de Jesus era apenas uma aparência, pois, sendo esta heresia uma variante gnóstica, tendia a enxergar a matéria como má em si. Logo, Deus não podia ter matéria. Para responder a isso, João escreve: "O Verbo se fez carne", isto é, a Encarnação foi real. Note que, desde o início, a Igreja combate os erros contrários à Fé.

E se formos observar toda a história da Igreja, veremos que as maiores heresias surgiam de padres, bispos, etc. Portanto, não é nenhuma novidade para a Igreja que um padre ou um bispo defendam heresias. Porém, se ele o faz, é importante que todos os católicos defendam a doutrina verdadeira abertamente. É o que fazemos, aqui. No entanto, as fabietes parecem ficar cegas porque o seu objeto de culto foi atacado e, ao invés de se aterem aos argumentos, passam a incorrer naquilo mesmo de que nos acusam: os julgamentos de intenção, os xingamentos, etc. Nada disso nos incomoda, mas é preciso esclarecer as coisas.

O primeiro ponto de que nos acusam é o de julgar o padre, quando está claro que Jesus pediu para que não julgássemos ninguém. Mas veja: se não é possível julgar a ninguém em nenhum sentido, que vocês fazem vindo aqui e nos julgando? Além disso, quer dizer que ninguém mais pode falar nada sobre ninguém? Não é possível chegar para alguém que está imerso no pecado e dizer: "você está errado. Saia daí"? É óbvio que isso não é cristianismo. Se há uma coisa que mudou a partir do momento em que Nosso Senhor veio à terra e nos esclareceu sobre as coisas é que acusar o erro não é mais somente uma recomendação, mas se nos tornou um dever estrito. Jesus é a luz do mundo. Com a luz, fica tudo claro. Portanto, se vemos o erro e não o acusamos, tornamo-nos cúmplices morais pela negligência. E só podemos afirmar que um ocorrido é certo ou errado se, de algum modo, julgamos as situações, pois julgar é meramente fazer afirmações a respeito de algo.

O que é que Jesus nos proíbe, então? Ele nos proíbe o julgamento de intenção, isto é, não nos é permitido dizer qual é a intenção do padre com essas entrevistas. Ele quer aparecer? Ele quer se mostrar cool? Ele quer aumentar o número de fãs? Ele quer desorientar as pessoas? Todas essas afirmações se alheiam ao nosso horizonte de conhecimento, a menos que ele nos falasse diretamente sobre isso ou que isso se tornasse claro de algum modo. E o que é que nos é acessível? O teor objetivo daquilo que ele fala. E, objetivamente, aquilo que ele falou no que se refere à Igreja é errado, é herético, e ponto.

Todos deveríamos saber que o amor e a estima que se tem a uma pessoa não devem contrariar, mas, ao contrário, devem estar fundamentados na verdade e no bem objetivos. Por mais apreço que um católico possa ter ao Pe. Fábio, este apreço não pode fazê-lo cegar para os erros do padre sobre a Igreja, pois tais erros apenas aumentam a já imensa desorientação dos católicos hodiernos. Amar mais ao Pe. Fábio do que à verdade é um caso de idolatria, de cegueira, de fanatismo, de infantilidade, de pouca seriedade.

Portanto, o que devemos fazer diante de tal caso? Primeiro, segurar a onda: não é porque eu gosto de Pe. Fábio que vou fazer vista grossa aos erros dele. Depois, eu também não vou sair por aí ofendendo-o excessivamente. Tenhamos sempre diante dos olhos as gravíssimas advertências que Deus Pai faz a Sta Catarina de Sena sobre o trato com sacerdotes. Terceiro, precisamos rezar por ele e pelo clero porque, hoje em dia, é relativamente raro encontrar um bom padre. E, por fim, é preciso também esclarecer as coisas aos que, desconhecendo a natureza e os fundamentos da Fé Católica, poderiam ser ainda mais desorientados pelos erros açucarados do padre. E, no caso de pertinácia, isto é, de o Pe. Fábio, ainda que avisado dos seus erros, não se retratar e decidir manter-se em tais erros, nosso papel enquanto católicos deverá ser expô-lo publicamente como um inimigo da Fé. Peçamos a Deus que este último ponto não seja necessário, mas é o que recomendam os santos da Igreja no caso de hereges contumazes.

E, tendo esclarecido isso tudo, vamos deixar de frescuralhadas. "Minha gente", não permitam que a simpatia pelo padre provoque em vocês um "sequestro de subjetividade".. Que este amor excessivo, que lhes fecha os olhos da razão, não os roube de si mesmos.. hehehe..

Fiquemos, enfim, com este vídeo que, embora tenha um título meio "propaganda enganosa", será suficiente para esclarecer aos amigos do que é que estamos falando. Pax.

Pe. Fábio de Melo - Um herege


Estamos todos já habituados às rebeldias doutrinárias do Pe. Fábio. Dono de uma retórica extremamente poética, de boa aparência e reconhecido como cantor, Pe. Fábio sempre nos saudava com suas posições heterodoxas. Talvez não quisesse ser absorvido no conjunto dos padres que seguem, a torto e a direito, a doutrina católica. Destacou-se, então, elaborando frases de efeito de sentido duvidoso. Ocorre, porém, que, algumas dessas vezes, Pe. Fábio extrapolou e adentrou em terreno menos passível de cambalhotas sofísticas, o que lhe atraiu as atenções, não mais das fãs tresloucadas a elogiar-lhe os dotes naturais, mas dos melhores informados na doutrina católica.

Uma dessas vezes foi quando, querendo fazer poesia, Pe. Fábio afirmou que a Eucaristia encerrava o bonito significado da ausência. Ora, mas a Eucaristia é, ela mesma, presença literal. Por causa disso, acusaram-no de negar o dogma da Presença Real de Cristo. Ok.. Vamos entender que ele apenas se expressou mal. 

Na mesma época e no mesmo livro, ele também afirmava coisas suspeitas sobre a Ressurreição de Cristo. Dizia que os Apóstolos perceberam a presença do Cristo na saudade. De novo, não é difícil imaginar as reações dos que, como São Paulo, diziam que, se Cristo não ressuscitou de fato, vã é a nossa fé. Concedamos mais uma vez que Pe. Fábio apenas quis fazer poesia desajeitadamente. A conclusão do nosso extremamente benévolo julgamento é que Pe. Fábio é, pelo menos, desastradinho.

Ok. Em seguida, ele havia afirmado que o socialismo, sem os excessos da união soviética, só edificava. Pe. Fábio de Melo demonstra desconhecer a natureza íntima do socialismo, bem como as reiteradas condenações que a Igreja Católica fez dessa ideologia nefasta. Então, além de desastrado, Pe. Fábio de Melo é mal informado. Surge, ainda, uma terceira conclusão: ele fala do que não sabe, mas talvez suponha saber... Isto é um mal sinal. Significa que ele não está aberto a um aprendizado real. A sua seletividade no que aprende é tal - isto é, o interesse e a simpatia é o que determinam a sua posição - que Pe. Fábio chega a chamar o branco de preto. Há algo disso no livro de Isaías. Mas, deixa quieto.

No entanto, desta última vez, Pe. Fábio de Melo não nos deixa espaço para continuarnos com nossa boa vontade em forçar a barra para não vermos heresia. Ele fez questão de nos vedar este caminho ao deixar claro, claríssimo, que, de fato, as heresias lhe saltam da boca. Na mais recente entrevista que ele deu à Marília Gabriela - que, por sinal, vai ao ar hoje -, Pe. Fábio diz o que segue:


"Não adianta pregar a fé com elaborações teológicas. É preciso praticar a caridade. Não importa se você é católico, evangélico, espírita ou de outra religião. Se estiver disposto a amar alguém junto comigo, já somos irmãos. Jesus não queria a Igreja, queria o Reino de Deus, mas a Igreja foi o que conseguimos dar a Ele. Não sou adepto de uma fé que idiotiza. Sou adepto de uma fé que faz pensar: 'quem somos nós?'"

Analisemos parte por parte.

"Não adianta pregar a fé com elaborações teológicas. É preciso praticar a caridade."

Provavelmente, Pe. Fábio não leu a encíclica Fides et Ratio do Papa João Paulo II, nem tampouco a Caritas et Veritate, do Papa Bento XVI. Talvez nem tenha uma idéia clara do que a Igreja chama de "caridade". Parece ele estar se referindo à idéia vaga do que as pessoas, hoje em dia, chamam de amor, um tipo de atitude sentimentalóide que condena a priori quaisquer afirmações inequívocas e claras, pejorativamente taxadas de intolerantes. Ou seja: um amor que faz pouco caso da verdade, pois, enquanto esta distingue e separa, o amor uniria. Percebam que é a primazia da vontade sobre a razão. Deste modo, você pode seguir qualquer maluquice, desde que ame... E é por isso que ele continua: "Não importa se você é católico, evangélico, espírita ou de outra religião". Ou seja, pode ser do que for, do candomblé, mórmon, testemunha de jeová, etc. Como não são as doutrinas o que veramente importa, então é possível ser adepto de qualquer coisa. Ninguém vê o absurdo disso? E ainda dizem que ele é inteligente.

"Se estiver disposto a amar alguém junto comigo, já somos irmãos." Isso mesmo, e o batismo que se exploda, né? Exatamente...

Mas o melhor vem agora:

"Jesus não queria a Igreja, mas a Igreja foi o que conseguimos dar a Ele". Sério? Vejamos: "Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra eu edificarei a Minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela." Será que Pe. Fábio pulou esse trecho? Jesus fala aí de "minha Igreja". Portanto, Ele quis SIM uma Igreja, esta Igreja que São Paulo chamou de "coluna e fundamento da verdade". Porém, Pe. Fábio parece conhecer algum tipo de história alternativa, provavelmente inventada imaginativamente já que a história real não se harmonizava com os seus desejos.

"Queria o Reino de Deus, mas a Igreja foi o que conseguimos dar a Ele." Oh, quão frustrante deve ter sido Jesus querer estabelecer o Reino de Deus aqui e, ao invés disso, nós darmos a Igreja a Ele. Pois é, Jesus: previsão errada. Não deu certo. Contudo, a verdade é que o Reino de Deus é o próprio Cristo, conforme Ele mesmo dizia: "o Reino de Deus já está entre vós". Ora, a Igreja é Corpo de Cristo e, portanto, é um só com Ele. Conhecidíssima a passagem em que São Paulo, caindo do cavalo, pergunta de quem é aquela voz, ao que escuta: "Eu sou Jesus, a quem tu persegues", sendo que Paulo perseguia à Igreja. Portanto: Cristo e a Igreja, assim como o Esposo e a Esposa, são um só. A conclusão se expressa, então, desse modo: Reino de Deus = Cristo. Cristo + Igreja = Cristo total. Reino de Deus = Igreja. A Igreja não é criação nossa; o próprio Cristo a formou e ela, longe de ser uma realidade de segunda categoria para diminuir a frustração divina, é perfeitíssima e é a Esposa sem mancha do Cordeiro.

Afirmar que a Igreja é uma mera criação humana é o mesmo que dizer que toda a sua doutrina está passível de erro, pois seria fruto da interpretação do homem, e, não sendo o homem um ser perfeito, nada mais fica seguro na teologia. A Igreja estaria, então, equiparada a todos os demais movimentos religiosos e não poderia ter a pretensão de pregar a verdade. Seria somente mais uma tentativa de o homem alcançar a Deus pelas suas próprias forças. Essa tese já é devida e dogmaticamente condenada. Portanto, as consequências naturais da heresia do Pe. Fábio são outras heresias.

E, por fim, Pe. Fábio de Melo, insinua algo misterioso: "Não sou adepto de uma fé que idiotiza. Sou adepto de uma fé que faz pensar: 'quem somos nós?'" Bem, como se perguntava o Kiko: "o que será que ele quis dizer?".

Dá pra supor. Vejam só: "sou adepto de uma fé que faz pensar: 'quem somos nós'?" Pe. Fábio parece ser adepto daquela corrente, meio tola, que afirma que o mal da pergunta é a resposta. Portanto, o papel da Fé não seria dar a resposta, mas fazer 'questionar'. Seria mais de desconstrução que de construção. O oposto desta atitude 'questionadora' seria a 'idiotização' da resposta clara. Perdoem-me se eu estiver interpretando errado, mas é assim que vejo. Portanto, se a Igreja é dogmática, isto é, se diz com clareza o que devemos crer e o que devemos negar, na visão de Pe. Fábio, a Igreja tradicional seria voltada para... idiotas? Aqueles que professam integralmente a Fé Católica seriam... idiotas? Seriam os doutores e santos da Igreja... idiotas?

Não ouso afirmá-lo. Pe. Fábio talvez tenha querido dizer outra coisa. Enfim, vamos dar a ele mais essa última benevolência. Ficamos assim: Pe. Fábio é desastradinho, mal informado, imaginativo, herege e... convencido, por crer saber o que não sabe. Porém, se você for tentar convencê-lo disso, e pedir que se retrate, provavelmente vai ouvi-lo cantar: "sou humano demais pra entender..."

Consequências concretas da perda da capacidade de apreciação da bondade intrínseca dos seres

Os modernos meios de comunicação de massas exercem um influxo mais poderoso nos domínios do bonum [que nos domínios do verum]. Pois, enquanto bom, tudo aquilo que é reivindica também uma réplica, uma resposta, por parte do homem, ainda que de natureza distinta daquela que lhe é solicitada enquanto verdade. Poderíamos desdobrar essa relação em três momentos:

1) em primeiro lugar o bom pede nossa aprovação, que nós adiramos a ele: também verbalmente, mas sobretudo com as fibras mais íntimas de nosso ser, com toda a nossa pessoa;

2) na continuação, o que se encontra dotado de bondade postula que se deseje sinceramente sua plenitude, seu enaltecimento perfectivo, o desabrochar enriquecedor contido na energia primordial do seu ato de ser;

3) por fim, nossa "resposta" ao bom levar-nos-á, na medida do possível, a apoiar esse desenvolvimento de perfeição com nossa própria atividade, a cooperar com fatos para a realização do seu derradeiro apogeu.

Tudo o que diminua o alcance dessa resposta, por suprimir um ou mais desses elementos, eqüivale - naquilo que está nas nossas mãos - a cercear a realidade em sua constitutiva índole de ente-bom.

Dando continuidade ao argumento, podemos dizer que, obviamente, o bombardeio informativo a que, com maior ou menor vontade, nossos contemporâneos são submetidos, acaba por lhes tolher uma possível ação plena de vibração e de brio, tal como exige a realidade que os circunda em virtude de sua intrínseca bondade.

E, como consequência, posto que ens e bonum se identificam, o universo deixa de ser percebido e vivido como real.

Logicamente, nenhum homem tem a obrigação de responder com todas as suas consequências à bondade ou malícia de quanto os meios de comunicação oferecem a seu conhecimento. Sua própria índole espaço-temporal o impede. Não vão por aí aos tiros. O perigo reside em que a contínua exposição à realidade perante as quais não pode reagir, nem na promoção do seu bem nem sufocando o seu mal, vá atrofiando a sua própria capacidade de resposta e acabe por se comportar perante a própria circunstância do mesmo modo como se relaciona com o que está fora de seu âmbito de ação. Um grande número de estudos experimentais mostram que esse processo afetou boa parte de nossos concidadãos.

E é lógico. A criança exposta durante anos a milhares de cenas de violência, as quais não só não repudia, senão que acaba inclusive por aprovar e buscar; o adulto que dia-a-dia vê desfilar diante dele no jornal da televisão atrocidades que exigiriam uma atuação decidida com o objetivo de suprimi-las; o cidadão que se acostuma a simples condenações verbais de atentados por parte daqueles que, podendo, não movem um dedo para pôr fim a esses despropósitos ...; como não irão todos eles habituando-se a desnudar a realidade de seu caráter constitutivo de bondade ou malícia, que reclama uma resposta? Como não acabarão por tratar as mediações com a família, o trabalho ou a comunidade política com a mais radical atonia e carência de ação incisiva que lhes impõem os meios de comunicação? Como não haveriam de se retrair ao privado?

Porque, inclusive, a simples aprovação ou desaprovação profunda, sincera, da multiplicidade de acontecimentos de que toma notícia submeteria qualquer subjetividade a uma tal tensão que apenas pessoas de especial riqueza humana seriam capazes de suportar. A conclusão é evidente: evitam-se as respostas pessoais nos três níveis a que antes aludíamos e, quase instintivamente, estende-se esse modo de comportamento à totalidade do próprio mundo. Em consequência, o universo assim mutilado vai-se tornando chato, insubstancial, monocórdio e incapaz, por sua vez, de construir um homem que possa se abrir francamente ao som da verdade e do bem. 

E surge, onipresente, o aborrecimento: um tédio sem precedentes, universal, quase ontológico, derivado de uma "realidade-sem-ser". Inicia-se, então, a ansiosa busca dos sucedâneos: sexo, droga, emoções "fortes"... O incomparável êxito das denominadas "novelas televisivas" explica-se, em parte, pelo fato de oferecerem um substitutivo à exigência humana de mover-se e trabalhar diante do bom e do mau: uma débil alternativa que substitui a reação vital e ontológica por uma simples comoção sentimentalóide, mas que oferece ao sujeito a pequena e superficial sacudida que pode suportar uma existência sem autêntica paixão pelo real, sem pathos metafísico.

(Refleti muito sobre tudo isso, antes que os dramas televisivos baseados na vida real tivessem sido produzidos em tal quantidade que dessem origem a um processo inflacionário. O que levou Alejandro Navas a sentenciar: "O interminável desfile de situações trágicas sobre a telinha tem outro efeito complementar sobre o espectador habitual: o entretenimento obsessivo com as vidas dos demais provocado por uma curiosidade mórbida. O espectador, que desaparece na passividade, preenche seu vazio com as imagens das vidas alheias. Essa contemplação dos dramas e problemas alheios oferecidos pela televisão serve de desculpa para contentar-se com a própria mediocridade. E ver como os poderosos, os bem-arrumados, os famosos sofrem da mesma maneira que os demais mortais, torna mais fácil ao espectador massificado realizar a sua parte de se sentir eximido da tarefa de assumir as próprias responsabilidades.

E, na medida em que a televisão ocupa cada vez mais horas dos espectadores, a comunicação interpessoal debilita-se, decai a vida familiar, diminui a atenção dedicada às crianças. E o resultado desse processo será o surgimento de novas gerações de indivíduos alienados, sem defesas intelectuais, facilmente manipuláveis").

Evidentemente, quanto venho assinalando não é a raiz, apenas um sintoma da desestrutura metafísica inerente à civilização que nos acolhe: incapaz de perceber que o universo e, de forma eminente, as pessoas, são verdadeiros e bons precisamente enquanto são. Análises similares poderiam ser realizadas em muitos outros âmbitos. Todas conduziriam a um mesmo resultado: o fundamento da anemia e cegueira contemporâneas é, como antes já sugeri, uma profusão de formas de opção pela subjetividade, por um eu antiontológico e esquecido do ser, que acaba por obscurecer tudo aquilo que, de um ou de outro modo, não se refira ao sujeito que o considera. O esquecimento do ser, a que tantas vezes temos chamado a atenção, é inseparável de uma atitude egoísta que faz depender o valor constitutivo de qualquer realidade de um único e privilegiado aspecto: sua dependência em relação à subjetividade que se auto-introduz nela. As coisas e as pessoas já não têm valor em si mesmas, só exclusivamente enquanto apreciadas por mim e úteis para mim.

Tomás Melendo, Metafísica da realidade. São Paulo: Instituto brasileiro de filosofia e ciência "Raimundo Lúlio" (Ramon Llull), 2002. p. 109-111.
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